A perda da audição parece remeter imediatamente ao envelhecimento. Na pré-história dos atuais tempos politicamente corretos, um dos personagens da “Praça da Alegria”, humorístico televisivo dos anos 1960, era a “Velha Surda”, que confundia tudo o que os demais atores diziam. Neste novo milênio, porém, a redução da capacidade de ouvir ou de entender é comum também entre pessoas mais jovens.
Alguns problemas são antigos, como a exposição a sons muito altos, a higiene inadequada ou o contato constante com a água (caso de nadadores, mergulhadores, etc.). Outros fatores, no entanto, vieram se somar a lista.
Problemas modernos
O principal deles é a exposição a ruídos excessivos. Especialistas orientam que as pessoas não devem se expor ao som de uma britadeira, de um concerto de rock, do tráfego congestionado nas grandes avenidas, da decolagem de um avião a jato e de disparos de armas de fogo por mais de uma hora. Recentemente, os smartphones com suas inumeráveis ferramentas agregou outro fator de risco: ouvir músicas com fones bloqueadores do som ambiente.
Quase ninguém segue estas regras, seja por força da profissão, seja por hobby. No entanto, a exposição continuada pode provocar sérios e permanentes danos à audição. A exposição contínua a volumes acima de 115 decibéis (o ruído de uma turbina de avião) é um convite para a surdez, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que “o barulho nosso de cada dia” dos ultrapasse os 85 decibéis.
A hipersensibilidade auditiva
Mas, de acordo com a sensibilidade auditiva de cada indivíduo, o aumento do ruído em apenas um decibel pode causar alguns transtornos. Sons muito altos e muito baixos não causam qualquer efeito (abaixo de 20 Hertz e acima de 20.000 Hertz) não são percebidos pelo ouvido humano. Os cães conseguem captar sons de até 50.000 Hertz e os morcegos, de até 200.000 Hertz.
A hipersensibilidade auditiva (ou fonofobia) é um sintoma sério. Ruídos comuns no cotidiano, como uma gargalhada, o latido de cães, o som do aspirador de pó e mesmo o toque do telefone se tornam insuportáveis para quem tem o transtorno, mesmo com o volume do som em nível seguro. O problema causa dor, desconcentração nas tarefas e muita irritação.
A hipersensibilidade auditiva é mais comum em pessoas que sofrem com zumbidos no ouvido (18% da população mundial, de acordo com a OMS), que podem ser determinados por diversas causas: danos nos nervos auditivos, perda de audição, má circulação sanguínea, rigidez dos ossos do ouvido médio, ruptura do tímpano, problemas na articulação temporomandibular, infecções, alergias, problemas na mandíbula ou no pescoço e mesmo o acúmulo de cera pode provocar os sons incessantes e estressantes.
Quando os efeitos são mais suaves, muitos indivíduos tendem identificar esta hipersensibilidade como uma capacidade de audição acima da média, mas todos possuem audição normal, apenas apresentam menor tolerância aos ruídos do ambiente.
Superando o problema
O tratamento para a fonofobia não é o silêncio, muito menos o uso de protetores auriculares (que podem aumentar a flora bacteriana do ouvido, favorecendo infecções). Em um quarto totalmente silencioso, uma pessoa com este problema tende a perceber sons dos ambientes no entorno.
A maneira correta de tratar a hipersensibilidade auditiva é a dessensibilização, com o uso de geradores de sons de baixa intensidade, mas, mesmo assim, incômodos para os pacientes. Gradualmente, o volume é aumentado e o cérebro consegue se readaptar aos sons diários naturais. O tratamento deve ser acompanhado por um otorrinolaringologista.
Mascarando a surdez
A perda da audição pode ter início em adultos jovens, a partir dos 20 anos. Muitas pessoas que sofrem com o problema – ou apenas se incomodam com o “buzinaço” dos congestionamentos quilométricos – cometem um segundo erro: usar fones de ouvido para ouvir música, saber notícias, etc.
O mal, evidentemente, não está nos fones, mas no volume do tocador de músicas, que precisa estar perigosamente alto para neutralizar os ruídos irritantes. Esta atitude certamente não consegue contribuir para melhorar a audição.
A solução mais simples é sair mais cedo de casa, ou arranjar um emprego em que não seja necessário apertar-se nos coletivos brasileiros, com raras exceções. Os fones de ouvidos são caixas acústicas embutidas no ouvido e, com a tecnologia dos ímãs de neodímio, a potência atinge níveis absurdos. Considere utilizar esta estratégia duas vezes por dia, e a exposição pode chegar a mais de dez horas semanais.
Desculpem-me pelo trocadilho, mas a poluição sonora é a mais “silenciosa” de todas. O ar poluído agride os olhos e as vias aéreas imediatamente, uma rua cheia de cartazes e outdoors coloridos provoca irritação e cansaço visual, mas a poluição sonora age lentamente, instalando a surdez passo a passo.
Já bastam as agressões inevitáveis do dia a dia: não é necessário aumentar a lista com um tocador de música sempre ligado “no talo”. Mais um motivo: as buzinas, palavrões de motoristas, conversas em som alto e muito mais ficam apenas escondidas, mas as ondas sonoras continuam sendo captadas pelos nossos pavilhões auditivos.
Recuperando a audição
Até a década de 1980, acreditava-se que a perda de audição e o zumbido constante eram causados por células mortas do interior de diversos setores do ouvido, mas a contribuição da tecnologia para a produção de instrumentos de avaliação mais sofisticados constatou que estes “tijolinhos” orgânicos não estão mortos, apenas disfuncionais.
Diversos sistemas são utilizados para reconstituir a funcionalidade destas células. A recuperação da audição, porém, pode não ser completa: em alguns casos, a correção ocorre apenas com o uso de aparelhos de surdez.
Um programa desenvolvido na Coreia do Sul, o Hearing Guardian (“guardião da audição”) consegue recapacitar estas células para o cumprimento de suas funções originais: conduzir os estímulos sonoros para que o centro auditivo do córtex cerebral os interprete.
Em testes com o Hearing Guardian com grupos selecionados de dez pessoas cada, todas com problemas de audição, foram aplicadas sessões de 30 minutos, duas vezes por dia ao longo de duas semanas. Os resultados foram expressivos: 70% dos candidatos acusaram melhoras substanciais.